Mais um escândalo de corrupção ou um caminho legítimo para o dinheiro?
Sensacional escândalo atingiu os brasileiros.

Vou ser bem sincero com vocês: hoje eu acredito que o mundo seria melhor se o Twitter nunca tivesse sido criado. Mas a real é que de uns anos pra cá a coisa piorou muito. Desde que o ex-marido da cantora e suposta supremacista branca Grimes comprou o negócio e rebatizou de X, o clima de fim de feira e ruína completa tomou conta daquilo que um dia foi uma rede social minimamente respeitada.
Além de achar bacana que toda sorte de supremacistas, reaças e babadores de ovo falem os maiores absurdos do planeta sem qualquer tipo de moderação, o ex da Grimes deu todos os sinais possíveis de desespero financeiro, mandando trocentas pessoas embora (o escritório do Brasil inteiro, por exemplo) e entupindo a rede com as publicidades mais bizarras possíveis.
Essa última parte, na real, eu gostei. Eu tenho um certo apreço por publicidade freak show. Acompanho Taboola, Outbrain e todos esses lixos faz anos – e acredito muito que todas são ferramentas construídas especificamente para destruir o que restou da internet, tanto econômica como socialmente. (Se você pesquisar a história do Taboola vai se surpreender...)
Por isso mesmo, o Twitter virou um lugar delicioso para mergulhar naquilo que, muitas internets atrás, foi batizado de “internet chum”. Da noite pro dia, o Twitter foi de anúncios imbecis de grandes marcas tentando emular a “linguagem das redes” para as empresas de fachada mais suspeitas do mundo anunciadas por perfis vazios com avatar de NFT (quase todas metidas com Bitcoin).
Pra completar, a empresa decidiu que quem paga pra ter o selo azul de verificado também pode ganhar dinheiro, o que criou um novo mercado de conteúdo fantasma: abra qualquer tuíte com muitas impressões e encontre incontáveis perfis criados apenas para tentar ganhar um trocado comentando qualquer coisa com conteúdo gerado por inteligência artificial ou Google Tradutor. Bem-vindos ao futuro!
Mas enfim, nesses mergulhos, entrei na água rasa com muitas outras pessoas que deram de cara com anúncios como esses:


Difícil não fixar os olhos em algo assim. Luciano Huck? Algemado? Marcos Mion? O que você fez, Mion? É culpa daquele imbecil do Mionzinho? Que grande segredo se esconde por trás dessas montagens toscas? Qual é o sensacional escândalo que atingiu nós, o povo brasileiro?
No começo eu apenas ri e não cliquei em nenhum dos links porque isso aí todo mundo sabe que de alguma forma pode dar DST no seu computador ou celular. Mas, trajando luvas, máscara antigás e uma redinha nos sapatos, decidi me sacrificar por você que acompanha o Departamento de Artimanhas.
Antes de cair de cabeça, dei uma fuçada pra ver se algum dos famosos tinha se manifestado. Descobri que o Luciano Huck ficou bem triste com essa história em novembro do ano passado, fez pressão pra cima do Twitter, mas não obteve resposta alguma.
(O tuíte revoltado dele me lembrou algumas linhas daquele texto que ele escreveu na Folha quando roubaram o Rolex dele. Tempos mais simples.)
Já o Mion não se manifestou, ou pelo menos não achei nada. O que eu achei foi o site que mostraria o segredo por trás da prisão dele. Cliquei com gosto, mas me decepcionei um pouco.
É uma página dedicada a dicas de arrumação de casa, costura e outros cacarecos. Mas, surpreendentemente, o último post é o único em português e fala sobre… o perigo das fake news e o caso Marcos Mion!
Eu até gostei da ousadia, admito. Mas fiquei decepcionado com algo: o texto é 100% ChatGPT, falando sobre fake news do jeito mais porco possível. Talvez o Mion tenha conseguido um direito de resposta na justiça, só que ele veio na forma do texto mais genérico e pobrinho possível.
Mas aí, enfim, cheguei no magnum opus da trambicagem do Twitter: a suposta prisão de Sérgio Moro por abalar as estruturas do Brasil.
E foi aí que decidi mergulhar.
O clique no link, que supostamente seria da Amazon (mais um detalhe que o ex da Grimes desenvolveu para piorar tudo, tirando os links completos e facilitando esse tipo de golpe), me levou para uma página que mudaria toda a minha visão sobre Sérgio Moro.
Estamos no site do Valor Econômico, respeitado veículo de economia do Grupo Globo. Há um menu, uma lupa de busca, um botão para assinar o jornal. Há uma assinatura, de um repórter da Bloomberg, Norman Harsono (uma pessoa que existe de verdade). E há um título: “Sergio Moro foi interrogado sob suspeita de enriquecimento ilícito. Mais um escândalo de corrupção ou um caminho legítimo para o dinheiro? Confira por si mesmo!”
Meio grande o título, né? Esquisito. Mas vamos nessa, tenho certeza que essa reportagem 100% verídica irá nos surpreender. O texto começa assim:
Nos últimos meses, Sergio Moro aumentou significativamente sua fortuna. Uma propriedade de elite no valor de 18,7 milhões de reais foi adquirida, e seus filhos receberam novos carros de luxo. Tal ‘sucesso’ tão rápido não poderia deixar de chamar a atenção.
Dois dias atrás, Sergio Moro foi interrogado por suspeita de enriquecimento ilícito e corrupção. Durante o interrogatório, ele afirmou com confiança que seu dinheiro foi ganho não por subornos ou desvio de verbas públicas, mas por meio de investimentos na internet. Ele alegou que uma plataforma online lhe permitiu ganhar dinheiro. No entanto, o público permaneceu cético e não acreditou em sua história. Afinal, como alguém poderia enriquecer tão facilmente, apenas com alguns cliques?
E é a partir daí que começa o show:
O jornalista da Bloomberg fica para trás e Igor Gadelha, jornalista que também existe e trabalha para o Metrópoles, entra em cena. É ele que supostamente se senta frente a frente com o ex-juiz para desvendar o caso.
Aqui, eu prefiro que você leia alguns prints porque nada que eu diga fará jus a essa obra:




Os detalhes são impressionantes. A desenvoltura na conversa, os trechos com nota do editor, o momento em que Moro pede o celular do repórter para fazer um investimento em criptomoedas, a reação dele ao ver os ganhos em tempo real… Difícil não ficar preso no texto – que, espero estar certo, foi escrito por um golpista real, e não por uma inteligência artificial.
O esforço em transformar esse golpe em uma aventura digital com tons conspiracionistas que esconde uma verdade que os poderosos não querem que você descubra é digno de aplausos. A coisa desanda um pouco quando vira um guia prático de como perder seu dinheiro em poucos passos, mas a construção… Que linda construção.
A cópia fiel do site do Valor Econômico até que é bem feita, mas resiste a poucos movimentos. Decidi clicar em alguns links, com luvas, e todos levam para a mesma página de investimento da tal moeda que enriqueceu Moro como nunca. Mas, se você não ficar curioso e só embarcar na história falsa, consigo imaginar muitas pessoas abrindo uma carteira digital de criptomoedas com depósito mínimo de R$ 1.200.
Fazia tempo que eu não via uma página tão bem feita de golpe. É incrível pensar também que faz mais de uma semana que mergulhei nesse chorume, e a página segue no ar até hoje. Será que o Moro gostou do resultado? Talvez. E eu tenho uma teoria pra isso.
A coisa mais irreal dessa página, no fim, é que ela faz parecer que o Moro é um personagem interessante. Que ele seria capaz de fazer algo ousado. Que ele conseguiria se comunicar com palavras, e não com o grasnar de um pato.
Moro já foi a figura mais nefasta e simbólica da justiça brasileira, mas hoje ele é, felizmente, apenas o que ele é: um personagem insosso, tedioso, boca murcha. Atualmente vive escondido no senado, morrendo de medo de ser cassado, ou que os esqueletos do caso Banestado saiam do armário (e tudo indica que eles vão sair).
O Moro fictício vendedor de criptomoedas que pega o celular de repórter para fazer um investimento surpresa teria potencial para ser presidente do Brasil nos tempos tenebrosos que vivemos. Por sorte, o que existe de verdade é só uma entrada de disquete.